Bilbo Bolseiro, Gandalf e a companhia dos 13 anões - Thorin, Balin, Bifur, Bofur, Bombur,
Dori, Dwalin, Fili, Gloin, Kili, Nori, Oin e Ori - estão de volta. No capítulo de hoje, eles vão
continuar sua inesperada jornada em direção à Montanha Solitária para enfrentar o temido
dragão Smaug e recuperar o controle sobre o Reino de Erebor. Do lado de fora dos cinemas,
fãs do escritor de fantasia J.R.R. Tolkien por todo o mundo vão formar imensas filas e
contribuir com mais e mais moedinhas de ouro para a fortuna do diretor neozelandês Peter
Jackson, atualmente estimada em cerca de US$ 370 milhões.
Mas é certo que, enquanto muitos celebram a chegada de "O Hobbit - A Desolação de
Smaug", segunda das três partes da adaptação cinematográfica do romance homônimo de
Tolkien, que estreia em salas do mundo todo na noite desta quinta-feira (12), outros
torcerão o nariz para mais uma aventura povoada por bruxos, hobbits, elfos, orcs e
inúmeros seres fantásticos saídos das lendas anglo-saxônicas que tomará de assalto os
circuitos de exibição.
Hollywood perdeu, resmungarão aqueles que andaram lamentando mais um ano dominado
por Homens de Aço ou de Ferro, Filhos do Trovão e demais franquias de super-heróis ou
ficção científica que parecem não ter deixado brecha para a "verdadeira arte
cinematográfica" em 2013.
Provocações à parte, é oportuno pensar sobre para onde vão e o que querem os filmes - e
principalmente o seu público - neste início de século. Nesse sentido, os 161 minutos de
bunda colada a uma confortável poltrona de couro de sala multiplex, mirando com óculos
3D uma tela gigante do tipo IMAX com imagens projetadas não mais a 24 quadros por
segundo (o padrão do cinema por pelo menos os últimos cem anos), mas ao dobro disso,
são o cenário ideal para essa reflexão.
A marcha de Bilbo e seus companheiros rumo ao desconhecido, cheia de ciladas e
reviravoltas, de certa forma corre em paralelo à busca nem sempre bem-sucedida dos
grandes estúdios por novos paradigmas para o entretenimento. Há quem vá reclamar dos
desajeitados óculos de plástico que ainda incomodam, ou dos 48 quadros por segundo que
"escurecem" a imagem na tela, mas fica difícil negar que "A Desolação de Smaug" é mais
um passo na direção de uma nova experiência.
Pouco afeito a concessões, o diretor Peter Jackson topou ao menos uma na adaptação de "O Hobbit" para o público do cinema: introduziu uma bela elfa - inexistente no livro de Tolkien - na história dominada por personagens masculinos, sejam eles anões barbudos e rechonchudos, hobbits fofinhos, velhos magos ou mesmo orcs, trolls e goblins grotescos e nojentos. A escolhida foi a atriz Evangeline Lilly, a Kate do seriado "Lost". Com os cabelos avermelhados e trajes colados ressaltando a bela silhueta, a elfa Tauriel vai deixar adolescentes e marmanjos babando nas cenas de ação e as garotas suspirando com o triângulo amoroso entre ela, Orlando Bloom e o jovem galã Aidan Turner, que vive o anão Kili. Se o romance com este último vingar, no próximo filme, poderemos presenciar um raro exemplo de união interespécies entre uma elfa e um anão no fantástico mundo de Tolkien. "A Desolação de Smaug" traz um punhado delas, para deleite dos nerds: há uma breve visita à casa de Beorn, espécie de lobisomem que aparece pela primeira vez na saga cinematográfica agora; a incursão psicodélica dos anões pela Floresta Negra de Mirkwood; a revelação de uma nova - e mais letal - raça de elfos; a famosa (para quem leu o livro) fuga de barris rio abaixo e, finalmente, é claro, a tão aguardada primeira aparição real de Smaug, o tal dragão que aparece apenas de relance ao final da primeira parte. Aqui, ele ressurge por inteiro, grandioso, ameaçador, quase um intelectual na voz aveludada de Benedict Cumberbatch mostrada durante o longo diálogo que trava com Bilbo (Martin Freeman, outra vez), espelhando, de certa forma, a cena dos enigmas do hobbit e Gollum no episódio anterior. Apesar das orelhas pontiagudas e pezões peludos, Freeman é, aliás, talvez o principal ponto de contato entre o novo filme e os, digamos, humanos comuns, os não necessariamente iniciados nas aventuras da família de Bolseiros. Bastante cultuado por seus papéis nas séries de TV "The Office" e "Sherlock", o ator britânico traz uma qualidade e naturalidade de interpretação que nem sempre se repete em outros personagens - as discussões grandiloquentes entre Thorin (Richard Armitage) e Thranduil (Lee Pace) ou as incursões de Legolas (Orlando Bloom) e Tauriel (Evangeline Lilly) pela língua fictícia dos elfos soam, por vezes, um bocado constrangedoras. Também se sobressaem, em termos dramáticos e de direção de arte, as ótimas sequências ambientadas em Esgaroth, principalmente graças ao afiado timing cômico do ator Stephen Fry, numa rápida porém divertida aparição como o avarento líder da vila construída sobre as águas do lago que banha Montanha Solitária. Tudo indica que Fry e também o arqueiro Bard (Luke Evans) devem voltar na terceira e última parte de "O Hobbit", quando o local será palco de uma sangrenta batalha pelo controle da região. Mas a questão central, para os reles mortais, talvez seja: vale a pena sair do cinema com cara de interrogação e esperar mais um ano até descobrir como essa história vai acabar? Você pode até achar que não e ficar na torcida para que, mais dia, menos dia, os estúdios abram mão da também multimilionária indústria de relançamentos na TV, em pay-per-view ou Blu-Ray, e abracem de vez a tendência do chamado "binge watching" (modelo de lançamento de todos os episódios de uma série de uma só vez adotado, por exemplo, pelo serviço de assinatura Netflix). Ou então pode começar a olhar para os lados e perceber que, sim, o mundo do entretenimento vem mudando e hoje há muita gente - muita gente mesmo - disposta a protelar indefinidamente o final de algo de que elas gostam muito só para poder curtir ao máximo cada pedacinho de informação absorvido até lá. Sucessos retumbantes recentes na televisão como "Game of Thrones" e "The Walking Dead", que obrigam o espectador a segurar o fôlego por quatro, cinco, seis meses até a chegada de uma nova temporada e também atingem um público que até poucos anos atrás era considerado de nicho mas hoje já é visto como massa, seguem exatamente por aí. Na tela grande, franquias como "Harry Potter", "Crepúsculo" e "Jogos Vorazes" também reforçam a tendência. Se esse é o único caminho seguro para o cinema comercial é difícil dizer, mas a julgar pela quantidade de pessoas atingidas e - por que não? - satisfeitas com o atual modelo, eis um futuro possível e rentável para manter Hollywood respirando, sentada sobre uma pilha de dinheiro.
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