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sexta-feira, 6 de abril de 2012

'A gente tentou fazer entretenimento com conteúdo', diz diretor de 'Xingu'

Filme de Cao Hamburger sobre irmãos Villas Bôas estreia nesta sexta (6). Felipe Camargo, João Miguel e Caio Blat vivem criadores de reserva indígena.
"Desde o começo, o desafio era: tentar fazer um filme que entretenha, emocione e atinja um público maior – mas que ainda mantenha a seriedade do assunto. A gente tentou fazer entretenimento com conteúdo." Quem dá esta explicação sobre a proposta de "Xingu", que estreia nesta sexta-feira (6), é o diretor do trabalho, Cao Hamburger, durante entrevista para jornalistas em São Paulo da qual o G1 participou. A declaração do cineasta resume, ainda, uma preocupação que ele confessaria adiante: de que o tema se tornasse maior que o próprio filme.

A história é a dos irmãos Villas Bôas. Na década de 1940, fingindo serem sertanejos, eles abandonaram a vida em São Paulo e tomaram parte em expedições pelo centro do Brasil. A partir de então, foram se colocando na linha de frente da chamada "questão indígena". O ponto alto da trajetória foi a criação, em 1961, do Parque Nacional do Xingu, maior reserva de proteção de índios do país. Os irmãos eram três, Orlando, Cláudio e Leonardo. Por ter regressado muito antes, este último não costuma ser mencionado quando se fala do projeto.

O motivo do desligamento precoce do caçula, segundo mostra "Xingu", foi um conflito com Orlando – o mais novo engravidara uma índia. E está aí um atributo que, na opinião do diretor, contribuirá com aqueles objetivos apresentados no início. "O filme é focado na história dos três irmãos, e os dramas que os três irmãos viveram nessa saga", afirma Hamburger. "[São] Dramas pessoais e dramas relacionados à questão em si. Então, a meu ver, são personagens [com] que a gente consegue se identificar. Depois, é uma superprodução..."

Uma superprodução que encontrou dificuldades. Na entrevista coletiva que precedeu a série de conversas com o diretor e com os atores principais, uma das produtoras de "Xingu" comentava: "Foi a produção mais difícil que fizemos, estávamos sujeitos o tempo todo a condições climáticas, 44, 45 graus". Corria-se também risco de vida, continuou ela. "Num dos nossos sets, tínhamos uma pessoa que era um rastreador de cobras. Num outro ponto, o diretor de fotografia deu de cara com uma onça. É o lugar que mais tem onça no Brasil."

Cao Hamburger lista outros filmes de temática similar ao seu: "Como era gostoso o meu francês" (1970), "Iracema – Uma transa amazônica" (1976), "Brincando nos campos do senhor" (1981) e "Serras da desordem" (2006). "São filmes importantes, assim, mas não têm essa pegada mais... Sei lá, enfim, a gente tentou fazer entretenimento com conteúdo", diz o diretor. "['Xingu'] Tem uma busca de achar um gênero interessante, que estrategicamente agrade o público e o faça pensar. Porque também fazer um filme que afasta o público, nesse tema, é a coisa mais fácil que tem."

Livro
A ideia inicial de fazer um longa sobre os Villas Bôas não partiu do cineasta. Que narra o episódio é Fernando Meirelles (diretor de "Cidade de Deus"). Presente à coletiva, Meirelles conta que Noel, filho de Orlando, ficou durante três anos insistindo para que se fizesse um filme sobre o pai. Preocupava-lhe a possibilidade de a história estar "se perdendo". "Até que o Noel me deu o livro 'Marcha para o oeste' [escrito por Orlando e Cláudio]. Achei uma história incrível, aí passei para o Cao."

Mas Cao Hamburger assegura ter se precavido para que o filme não resultasse oficioso. "Uma condição que impus, para estar no projeto, foi que a gente tivesse liberdade total. Então a família não teria, e não teve, acesso nem ao roteiro e nem ao filme. Eles só viram o filme depois de pronto." O diretor crê que decorra daí o fato de "Xingu" não ser "chapa branca". Mas o que seria "chapa branca", neste caso? "Um filme só para enaltecer os personagens. A gente não queria ficar só com o ponto de vista dos brancos, a gente queria ter o ponto de vista dos índios."

"Xingu" tem realmente essa pluralidade, embora o público tenha o direito de entender que exista algum predomínio dos "brancos", dado que o "narrador" é Cláudio (1916-98). No entanto, a impressão de que se trata de um filme tendencioso dissipa-se por esta razão simples: Cláudio é mostrado todo o tempo como um homem em conflito.

Quem interpreta o irmão do meio é João Miguel, que se declara apaixonado pelo personagem. "Várias vezes, pensei que os irmãos viveram uma espécie de metáfora do descobrimento [do Brasil], quando entram em contato com tribos que nunca viram brancos", comparou o ator em sua entrevista. Não é raro, ao longo de "Xingu", a câmera flagrar João Miguel com um olhar meio vago.

É de propósito, observa Miguel. "Esse homem está em conflito o tempo todo com essa questão do antídoto e do veneno", diz o ator, referindo-se ao papel paradoxal que tinham os Villas Bôas. "É um personagem extremamente introspectivo, mas que agiu durante 40 anos. Tem histórias fantásticas do Cláudio. O Cláudio matou 16 onças, era um cara de uma coragem absurda."

Essa dicotomia associada a Cláudio está no filme porque foi surgindo já nas pesquisas prévias. "Você ia numa aldeia e os índios falavam: 'O Cláudio era um monstro, um devastador, um autoritário, mandava nos índios, se o índio não queria mudar de um lado para o outro do parque, ele punha a arma na cabeça'. Aí, depois você ia numa outra aldeia e falavam: 'O Cláudio salvou nossa aldeia, se não fosse o Cláudio nosso povo não existiria mais'. Então, você tem diferentes opiniões dentro do Xingu".

Quem fala agora é Caio Blat, intérprete de Leonardo (1918-61). O ator se lembra de que seu padrinho frequentou o Parque do Xingu durante muito tempo, trabalhando como médico. "Na minha infância, ele voltava do Xingu cheio de artefatos, de flechas, e lanças, tinha um couro de jacaré que ele abria no meio da mesa..." Durante a rodada de entrevistas, Caio é o que parece mais empolgado com o filme. Ele, inclusive, diz que ainda fala com os índios do Xingu. "Lá na aldeia, tem skype, dentro da oca. Então, foi uma surpresa absurda. Eu descobri que os índios têm gerador e um satélite. E mantenho até hoje contato diário com eles, pelo Facebook e pelo skype."

Por fim, Orlando (1914-2002). Ele foi entregue a Felipe Camargo. Perguntado se tinha conhecimento prévio sobre os Villas Bôas, Camargo responde: "Eu só tinha ouvido falar, era bem ignorante com relação a eles". Se fosse o caso de apontar um líder – um líder, não um protagonista – entre os irmãos, seria impossível não falar de Orlando. Uma liderança que ele exercia tanto dentro da selva quanto nas visitas que fazia a políticos, tentando convencê-los a oficializar a existência da reserva indígena.

Durante a coletiva, Camargo é o primeiro dos atores a falar da situação atual dos índios. "Esse espaço depende de um fomento, o que eles chamam de supermercado é o Rio. E o problema é que o rio nasce de três afluentes que estão fora do Xingu, acho que pertencem a fazendeiros", especula. "Se esses rios não forem preservados, o Xingu está em vias de se tornar extinção com o tempo." Inevitavelmente, vem à tona Belo Monte.

Fernando Meirelles também recorre à polêmica usina hidrelétrica, mas agora mais francamente. "A Transamazônica do filme é Belo Monte de hoje. Aquele deputado de terninho é [referência] a Kátia Abreu. Isso está muito claro." Kátia Abreu (PSD-TO) cumpre atualmente mandato como senadora.

Chega-se, assim, ao "desafio" que Cao Hamburger abordava: "Há filmes – obras primas – sobre esse universo que alcançam muito pouco público". O "deputado de terninho" usado como exemplo por Meirelles representa um dos vilões do filme. Os militares e os fazendeiros são outros. Essa escolha de se eleger claramente os "inimigos" talvez contribua para que "Xingu" alcance o objetivo alegado por seu diretor.

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