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quinta-feira, 14 de julho de 2011

Biologia e antropologia

Biologia e antropologia.



Introdução:

Aristóteles pode ser considerado o criador da Biologia. Uma grande parte do Corpus aristotelicum está consagrada ao estudo dos seres vivos: o livro Sobre a alma; o conjunto de tratados conhecidos com a denominação de Parva naturalia: Sobre a sensação e o sentido, Sobre a adivinhação pelo sono, Sobre a memória e a reminiscência; Sobre o sono, sobre a duração e a brevidade da vida; sobre a vida e a morte, Sobre a respiração e os tratados tipos normais, Sobre a história dos animais, Sobre as partes dos animais, Sobre o movimento dos animais, Sobre o andar dos animais, Sobre a geração dos animais, Sobre o espírito, Sobre as plantas, História das plantas.

1 - Noção de vida: -

Todas as substâncias pertencentes ao mundo físico terrestre têm por característica a mobilidade. Mas há entre elas uma grande diferença, que as divide em duas ordens muito distintas. Umas são inertes, e por seu movimento natural tendem aos seus lugares “naturais”, a não ser que intervenha o impulso mecânico comunicado por algum agente extrínseco. Outras, por outro lado, têm dentro de si mesmas um princípio intrínseco de seu movimento espontâneo, para seu próprio bem ou seu próprio fim. Daqui resulta uma dupla ordem de substâncias físicas: vivas e não vivas. “Dos corpos naturais uns têm vida e outros não, e por vida entendemos o fato de alimentarem-se, crescerem e perecerem por si mesmos”.
( De an. II 1,412 a 13-14; Phys. VIII 4, 255 a 5-7.)
A distinção entre viventes e não viventes não provém de sua matéria, que é idêntica, pois tanto uns quanto outros são compostos dos quatro elementos, mas de sua forma, que é o princípio intrínseco do movimento vital. E este movimento não consiste somente no movimento local, que se dá nos seres vivos de ordem superior, mas essencialmente em sua capacidade de automodificação, ou seja, de reparar as perdas sofridas mediante a nutrição, de onde resultam os movimentos de crescimento e diminuição.
O princípio da vida é a alma ( ), que Aristóteles define não somente como ato da matéria em ordem ao conjunto dos elementos corpóreos, mas em ordem ao conjunto de órgãos: “ato primeiro do corpo físico orgânico, que tem vida em potência.” ( De an. II 1,412 b 4 ). Quanto à natureza da vida, Aristóteles considera-a essencialmente como calor, mas não o que provém do elemento fogo, mas outro de categoria superior, que procede do Sol ou dos astros ( Homo et sol generant hominem.)

2 - Graus dos seres vivos:-

Aristóteles distingue vários graus de perfeição na escala dos seres vivos. São distintos, mas cada grau superior inclui virtualmente os inferiores, semelhante às figuras geométricas: por exemplo : o quadrilátero inclui o triângulo, porque pode dividir-se em dois triângulos iguais. Mas o triângulo pode existir sem o quadrilátero ( De an. II 3,414 b 28 - 32 ).

1) Plantas, que têm alma vegetativa ou nutritiva, a qual exerce as funções de assimilação e reprodução. Mas não têm sensibilidade e movimento local. (De an. II 5, 411b 27-28; 415 a 2-3.)
2) Animais imperfeitos, que têm alma sensitiva, mas não têm o movimento progressivo. (De an. II 3, 414 a 32-b1.)
3) Animais perfeitos, que têm alma sensitiva, e além disso , apetite, fantasia, memória e faculdade locomotiva para transladar-se de um lugar a outro. (De part. animal. I1, 641 a 17-b10.)
4) O homem marca o grau supremo na hierarquia dos seres vivos terrestres e sintetiza em si todas as perfeições dos seres anteriores; princípios, elementos, mistos, plantas e animais. Ele distingue-se e os supera a todos por sua alma, que é uma forma dotada de entendimento e vontade, capaz de ciência e deliberação. (De an. II 3, 414).
Ross (Aristóteles, p. 124) resume deste modo a hierarquia dos seres vivos:
Animais sangüíneos
1. Homem
1.Vivíparos.....................................2. Quadrúpedes com pêlos (mamíferos terrestres).
3. Cetáceos (mamíferos marinhos).

4. Aves (pássaros).
a)com ovo perfeito 5.Quadrúpedes com escama e ápodes(répteis e anfíbios)
2. Ovíparos..
b)com ovo imperfeito 6. Peixes
Animais não sangüíneos
7. Malacodermes (cefalópodes).
8. Malacrustáceos (crustáceos).

3. Vermíparos.................................9. Insetos.
4. Produzidos por um fluido
viscoso, em rebento ou geração
espontânea.....................................10. Os tracodermes(moluscos diferentes dos cefalópodes).
5. Produzidos por geração
espontânea.....................................11. Zoófitas.

3. Relações entre a alma e os corpo:-

F. Nuyens distinguiu três etapas na evolução do pensamento aristotélico tomando por base o seu conceito das relações mútuas entre a alma e o corpo:
a) Na primeira (platônica) Aristóteles considera a alma e o corpo como duas substâncias distintas e até opostas, unidas não só acidental e violentamente como constituindo uma unidade apenas temporal. A alma pré-existe ao corpo e retorna, depois da morte, a seu estado primitivo (Eudemo).
c) Na segunda (transição), a alma ainda que distinta do corpo , está unida a ele acidentalmente, mas o corpo concebe-se como um instrumento da alma. O corpo é por e para a alma. A alma age no corpo e pelo corpo, ao qual governa como a uma cidade bem governada. Não há ainda união substancial, mas a união já não aparece como violenta, mas como comunhão de atividades, se bem que a alma conserva ainda uma certa independência. (De part. animal I 5, 645 b 14; De motu animal. 703 a 30; Eth. Eud. VII 9, 1241b17.)
e) Na última etapa chega Aristóteles à união substancial mediante a aplicação da teoria hilemórfica. A alma é o ato do corpo, com o qual se une como a forma com a matéria, de sorte que a alma e corpo, ainda que distintos, constituem, não obstante, um só e único composto substancial, do qual brotam todas as operações próprias do ser vivo. A heterogeneidade das partes de que constam os seres vivos não impede a sua estrita união substancial, que provém da união de sua forma ou princípio vital único. E as operações não podem ser atribuídas separadamente nem ao corpo, nem à alma, mas ao sujeito substancial que resulta da união de ambos, e que tem um ato único de existência. “Assim como o olho compreende a pupila e a vista, assim a alma e o corpo formam juntamente o ser vivo.”(De an. II 1, 412b 6-8; 413 a 2-3; Met. VII 6, 1045b5-23.) “Não é o corpo o ato da alma, mas a alma o ato de um certo corpo... não pode ser nem um corpo, nem num corpo; porque ela não é um corpo, mas alguma coisa do corpo, e por causa disto ela está num corpo.” (De an. II 2, 414 a 22.)
Definições aristotélicas do conceito hilemórfico: “A alma é a forma de um corpo natural que tem a vida em potência.” ( De an. II 1, 412 a 30.) “É o ato primeiro de um corpo natural que tem a vida em potência.” (De an. II 1, 412b1.
) “É o ato de um corpo natural orgânico” (De an. II 1, 412b10.) “É aquilo pelo qual vivemos, sentimos e pensamos.” (De an. II 2, 414 a 12.)
Com a aplicação da teoria hilemórfica à biologia, a união da alma com o corpo aparece como uma coisa natural e ficam excluídas as teorias platônicas da preexistência e transmigração. O corpo não é a tumba nem o cárcere da alma, mas sim ambos são dois princípios distintos de cuja união resulta um só ser substancial e natural. Fica também excluído o conceito materialista dos antigos fisiólogos, bem como a teoria de alguns pitagóricos que concebiam a alma como a harmonia resultante dos elementos do corpo. (De an. I 4, 11ss.) E fica também suprimida a divisão da alma em três partes diferentes. A alma de cada ser vivo é uma forma única, ainda que contém em si virtualmente todas as almas dos viventes inferiores.
4. Potências da alma:-

A alma é una, e a sua essência é simples. Mas a alma realiza múltiplas funções e operações distintas: nutrição, sensação, apetite, pensamento. Essas funções em Platão correspondiam a três almas distintas. Aristóteles, por outro lado, suprime a multiplicidade de almas e a substitui por cinco classes de potência ou princípios distintos acidentais ou de operação, que se diversificam em função de seus atos e de seus objetivos: vegetativa, sensitiva, intelectutiva, apetitiva e locomotiva. As três primeiras são operações imanentes, ao passo que as duas últimas respondem à finalidade extrínseca dos seres, pois o fim dos seres vivos implica o apetite e a faculdade de mover-se para a consecução do objeto apetecido.
a)Vida vegetativa:-
Aristóteles inclui três funções na classe inferior de vida, que é a puramente vegetativa, e que são a nutrição, o crescimento e a geração. As duas primeiras tendem à conservação indivíduo, e a segunda a da espécie. ( De an. II 4, 416b20-29; De gen. animal. 722-778.)
b) Vida sensitiva:-
A sensibilidade marca um grau mais alto na hierarquia dos seres vivos. Os animais acrescentam às plantas a faculdade de conhecer outros seres distintos deles mesmos. A este poder de conhecimento vão unidas outras duas faculdades, que são apetite sensitivo, e a potência locomotiva, que são três manifestações próprias da vida sensitiva.

1- O conhecimento sensitivo:-

Toda a teoria aristotélica do conhecimento está concebida em sentido realista. Aristóteles não duvida da existência de um mundo exterior, objetivo, nem mesmo de nossa faculdade para conhecê-lo, como também não duvida do fato real de nosso conhecimento. A sua teoria do conhecimento tem um sentido mais psicológico que crítico. A sua explicação do fato do conhecimento, tal como o percebe a experiência, desenvolve-se em função dos dois conceitos fundamentais de ato e potência, sob a versão de atividade e passividade, que Aristóteles combina entre si conjugando os dois termos que intervêm na ação cognoscitiva: sujeito e objeto. Entre sujeito e objeto deve haver proporcionalidade, pois somente o semelhante conhece o semelhante. (De an. II 4, 416b 20-29.)
Nota característica do aristotelismo é a sua harmonia entre todos os graus do conhecimento. Aristóteles distingue entre conhecimento sensitivo e intelectivo. Mas ambos mantém entre si uma estreita conexão como sucede entre os distintos graus da vida. Os inferiores não supõem os superiores. Mas os superiores implicam virtualmente todos os inferiores. Todo conhecimento provém dos sentidos como de sua fonte primária. O que carece de um sentido carece também de todo o conhecimento que a ele corresponde. (Anal. post. I 18-23.)
Em Aristóteles, o conhecimento sensitivo caracteriza-se pela passividade e receptividade em relação a um objeto ativo. É ele que sente, sofre uma ação, um movimento e uma alteração orgânica. Os sentidos, ao conhecerem, recebem em si as formas dos objetos que atuam sobre eles ( é o que depois os escolásticos denominarão espécies ). Mas recebem sem a sua matéria, semelhante à cera ao receber a impressão do anel, prescindindo que seja de ouro ou de bronze. ( De an. II 12,424 a 17-22 ). Desta combinação entre a ação do objeto com a receptividade dos órgãos sensíveis - que também não se há de conceber como pura passividade - resulta a sensação, que é uma ação de ordem vital.

2 - Sentidos e sensíveis:-

Aristóteles estabeleceu a distinção entre sentidos externos e internos. A diferença entre ambos não se baseia simplesmente na exterioridade ou interioridade de seus órgãos respectivos, mas no modo como são afetados por seus objetos. Os externos são cinco: visão, olfato, audição, gustação e tato. Necessitam da presença atual imediata de seus objetos sensíveis, sem a qual não podem conhecer. Sem a atuação imediata não se produz a sensação. (De an. II c. 5-12; III 1,425 a 1ss.)
Os sentidos internos, ao contrário, - sentido comum, imaginação, estimativa e memória - não necessitam da presença atual de seus objetos. São capazes de conservar as sensações e de reproduzir as experimentadas anteriormente.
Os sentidos não chegam a perceber as essências das coisas, nem mesmo a sua forma substancial, nem os seres em sua entidade total. Somente percebem as formas acidentais externas. Estes objetos da sensação distingue-os Aristóteles em duas classes:

Sensíveis próprios, que correspondem aos objetos próprios e particulares de cada um dos sentidos externos: à vista a cor, ao ouvido o som, ao olfato o cheiro, ao gosto o sabor, e ao tato o calor e o frio, o duro e o brando, o pesado e o leve, etc. Cada sentido é afetado por uma classe determinada de sensíveis, e não pode perceber os outros. Assim o olho não pode ouvir, nem o ouvido ver. Suposto o bom estado dos órgãos, não cabe erro de cada sentido em relação a seus próprios objetos sensíveis. ( De an. II 6,418 a 7-17 ).

Sensíveis comuns são aqueles cuja percepção não é exclusiva de nenhum sentido determinado, mas que são apreendidos indistintamente por todos ou vários. São a magnitude, a figura, o número, a unidade, a pluralidade, o movimento e o repouso. Não constituem objetos independentes entre si, mas são modalidades dos sensíveis próprios. Por isto não servem para especificar nenhum sentido em particular. ( De an. II 6,418 a 18ss ).
( NB. Aristóteles cria na objetividade das qualidades sensíveis. )

3 - Sentidos internos:

Ademais dos sentidos externos, para cuja percepção requer-se a presença atual de seus objetos, Aristóteles distingue nos animais outros quatro sentidos internos, os quais caracterizam-se porque podem realizar as suas funções na ausência de seus objetos, em virtude de as sensações deixarem vestígios que persistem como que gravados na sensibilidade. Os animais conservam-nos e podem reproduzi-los espontaneamente, combiná-los, associá-los e compará-los entre si, conforme às exigências de suas necessidades práticas. ( De an, III c. 1-3.)

Sentido comum - Possuem-no todos os animais, e é uma espécie de faculdade centralizadora de toda rede de percepções sensíveis dispersas.

 Imaginação ( ) - É um sentido interno superior ao sentido comum, que somente possuem os animais mais perfeitos.

)Estimativa - Os animais percebem nos objetos não somente o que é agradável ou desagradável a cada sentido particular, mas também o que é útil ou nocivo ao sujeito considerado em sua totalidade. Por exemplo, a ovelha foge do lobo porque vê nele um perigo e não por sua figura ou cor.

Memória - Conservação das imagens do passado.

 A vida intelectiva - No grau superior da vida achamos também uma dupla modalidade, cognosceitiva e apetitiva, correspondente a duas faculdades distintas, que são a inteligência e a vontade.

1 - O conhecimento intelectivo - A alma humana, que é a forma mais perfeita de todos os viventes terrestres, possui uma faculdade intelectiva, pela qual distingue-se de todos os demais seres pertencentes a graus inferiores da hierarquia.
A teoria aristotélica do conhecimento intelectivo mantém-se em uma atitude equilibrada, eqüidistante do sensismo materialista de Demócrito e do intelectualismo exagerado de Platão. No mecanismo do conhecimento humano estão intimamente compenetrados o sensível e o inteligível, de modo que a atividade intelectual não pode exercer-se sem a atividade sensitiva, como suposto prévio e indispensável. Não obstante, trata-se de duas ordens distintas de conhecimento: o sensitivo, que não ultrapassa a ordem do particular, e a intelectiva até a elaboração de conceitos universais.
A sua teoria do ato e da potência, sob a modalidade de hilemorfismo neste caso, subministra a Aristóteles um princípio valiosíssimo para superar a psicologia platônica. Abandona a “reminiscência” e as idéias inatas. A alma da criança, ao vir à vida, está na ordem cognoscitiva, em pura potência em relação a seus objetos conhecíveis. É como uma tabuinha de um escriba, na qual ainda não se escreveu nada. Nada há nela em ato: todos os seus conhecimentos estão em potência ( De an. III 4,430 a 1ss. ).
Nota característica do conhecimento intelectivo em Aristóteles é a sua absoluta incorporeidade, de onde provém a sua capacidade indefinida de aquisição de objetos conhecíveis. No conhecimento sensitivo o olho podia perceber todas as cores, porque a pupila está desprovida de toda cor. Algo semelhante ocorre com o entendimento, que sendo pura potência na ordem cognoscitiva, tem por esta razão, capacidade para conhecer tudo. É o que significa Aristóteles ao dizer que a alma é, em certo sentido, todas as coisas ( De an. III 5,430 a 13; 8,431 b 21 ). Mas não se faz materialmente todas as coisas no sentido de Empédocles, segundo o qual a alma incluía em si todos os elementos e com cada um deles conhecia o seu semelhante ( Diels, Vors. 3 ). O entendimento não tem em si a forma de nenhum dos elementos como também não é atuado diretamente pelas formas substanciais próprias dos seres sensíveis. Mas pode receber, intencionalmente, as semelhanças das formas de todas as coisas através das imagens que lhe subministra a sensibilidade, de modo que no ato da intelecção o entendimento identifica-se com o inteligível ( De an. III 2,425 b 25 ).
Ao colocar-se o problema do conhecimento intelectivo em função das noções de ato e potência, e guardando um paralelismo semelhante ao conhecimento sensitivo ( De an. III 4,429 a 13-17 ), implica a necessidade de admitir uma dupla modalidade no entendimento. Por uma parte, o entendimento acha-se em potência para conhecer todas as coisas , recebendo em si mesmo as semelhanças das formas. Neste sentido a função de entendimento é fundamentalmente passiva. Mas, por outra, Aristóteles não admite a existência dos inteligíveis em ato, como Platão, mas só em potência. Portanto, a primeira atividade da função intelectiva deve ser precisamente a de elaborar os seus próprios objetos de conhecimento, exercendo uma função ativa sobre as imagens subministradas pela sensibilidade. É uma função que não se deve entender a priori, ao modo Kantiano, mas sempre tomando por base o material que proporciona o conhecimento sensitivo.
2 - Os dois entendimentos, passivo e ativo - A aplicação da teoria hilemórfica ao conhecimento intelectivo parece que deveria dar uma solução clara ao problema do funcionamento da alma nas atividades psíquicas de ordem superior. Se o homem é um composto substancial da alma e corpo, e a alma é una e simples, à alma, forma do corpo, deveria corresponder a dupla atividade perceptiva e ativa. O desenvolvimento lógico da teoria parece que deveria realizar-se, pouco mais ou menos, deste modo:
O homem é uma substância única, constituída por dois princípios substanciais distintos: o corpo como matéria e a alma como forma. As faculdades da alma, tanto as sensitivas como as intelectivas, não são substâncias, mas acidentes ( qualidades ). A sua “separação” em relação à alma não deve ser entendida como entitativo-substancial, mas como entitativo-acidental. Isto é, as potências da alma são realidades distintas de sua essência, mas não com distinção substancial, mas unicamente acidental; de modo que a sua “separação” acidental, funcional, não implica uma separação ontológica substancial. Assim, pois, a qualificação aristotélica de “separado” poderia ser entendida no sentido de exercício de uma função acidental, distinta da matéria e das funções vegetativas e sensitivas inferiores. Não haveria, portanto, dois entendimentos substancialmente distintos, mas uma só alma realizando duas funções distintas por meio de suas potências: uma ativa, elevando as imagens sensíveis à categoria de conceitos inteligíveis, e outra passiva, que consistiria na percepção desses conceitos.
Não obstante, o laconismo, a ambigüidade e a obscuridade do texto aristotélico não permite ver as coisas de um modo tão simplista. Até agora os esforços da exegese não conseguiram chegar a conclusões satisfatórias.
d) A vontade:-
Além do apetite sensitivo, que é causa do movimento na parte sensível dos animais e dos homens, Aristóteles admite outro apetite correspondente à vida intelectiva, e que se acha em estreita conexão com o entendimento prático. “Todo apetite é em vista de algum fim”, e o fim é o que move e determina a ação. “O apetecível é o princípio do movimento. Mas há uma grande diferença entre o apetite sensitivo e o intelectivo. No sensitivo, o apetecível move imediatamente, enquanto que no intelectivo a vontade está sob o influxo do entendimento, que julga em virtude do sentido do tempo. O entendimento manda resistir em vista do futuro, e o apetite só em virtude do presente.” (De an. III 10, 433 a 25).
Aristóteles admite plenamente a liberdade e a responsabilidade moral. “Em nosso poder acha-se a virtude e também o vício. “De nós depende o fazer ou o não fazer, o sim e o não. Ainda que a liberdade do homem fica diminuída pelo influxo dos hábitos, os quais são fáceis de vencer no começo, quando ainda não estão muito arraigados, ao passo que depois torna-se muito difícil (Eth. Nic. III 5, 1114 a 25-30.)

5. A imortalidade:-

Nos diálogos (Eudemo), Aristóteles crê na preexistência e imortalidade pessoal da alma, como Platão. No De generatione animalium diz que a alma não procede por via de geração, mas que vem “de fora”, o que faz supor que também sobreviverá ao composto corpóreo. Na Metafísica restringe a imortalidade somente à parte intelectiva da alma (Met. XII 3, 1070 a 25-30.) O mesmo conceito aparece no De anima, onde a imortalidade fica reservada somente para o entendimento ativo, enquanto que o passivo corrompe-se com o corpo . Na Ética a Nicômaco ensina-se a dúvida sobre a imortalidade: “Podemos desejar coisas impossíveis, por exemplo, a imortalidade” (Eth. Nic. III 2, 1111 b 23.)
Assim, pois, o conceito aristotélico da imortalidade fica reduzido à parte intelectiva da alma, e nada nos diz da sorte que lhe espera depois da morte. Mas há que excluir em absoluto a interpretação árabe da imortalidade impessoal, baseada na subsistência do entendimento ativo comum a todos os homens, que não tem fundamento algum em Aristóteles.


Astrologia

1 - As substâncias do mundo celeste:-

Por cima do mundo terrestre, composto de substâncias móveis, alteráveis, corruptíveis, integradas pelos quatro elementos, existe outro mundo, Superior, que é o das substâncias físicas celestes.
O sistema celeste de Aristóteles não é original. Adota as teorias do platônico Eudoxo de Cnido ( 408 - 355 ), que as propunha para explicar os “fenômenos celestes” com modificações de Calipo de Cízico ensamblando-as no seu sistema geral do Universo. ( O sistema celeste de Aristóteles expõem-se no De caelo I - II e na Metafísica XII 8 )
Não obstante, é tão estreita a compenetração do conceito aristotélico das substâncias celestes com sua Física e com sua Teologia, que sem ele resultariam incompreensíveis. Aristóteles substitui o Universo composto de esferas animadas, cada uma com a sua forma própria. Quiçá provenha daqui o conceito de seres intermédios de Filon, os neoplatônicos e os neopitagóricos.
Aristóteles propõe um sistema geocêntrico. No centro do Universo, que é o lugar “natural”, acha-se a Terra, esférica e imóvel ( De caelo II 14, 296 b ).
( NB. Ato puro: está fora do Universo )

Primeiro Céu ( ) Universo Saturno
Lugar das estrelas
fixas Júpiter

Marte

Mercúrio

Vênus

Sol


Lua

Terra












Em volta da Terra giram uma multidão de esferas concêntricas, compostas de uma matéria muito sutil ( o éter, o quinto elemento) e de formas ( almas ) vivas, inteligentes, dotadas de faculdade apetitiva. São substâncias eternas, ingeráveis, inalteráveis e incorruptíveis, muito mais perfeitas que as pertencentes ao mundo terrestre. A sua perfeição é cada vez maior, conforme distanciam-se da Terra, até chegar à última, animada pelo Motor imóvel ( De caelo II 12, 292 a 20 ).
Aristóteles determina o seu número conforme às teorias de Calipo de Cízico, que punha trinta e sete esferas. O Céu se compõe de sete sistemas de esferas. O primeiro é o da Lua. E sobre este, em ordem ascendente, os do Sol, Vênus, Mercúrio e Marte, todos os quais constam de cinco orbes contíguos. Seguem depois os de Júpiter e Saturno, que compreendem só quatro orbes. Os astros e os planetas estão colocados no orbe mais interno. Finalmente, envolvendo-os todos, está o Primeiro Céu, no qual estão situadas as estrelas fixas ( ) . Isto perfaz um total de sete sistemas de esferas, com trinta e quatro orbes, incluindo o do Primeiro Céu.

2 - O primeiro motor :-

O movimento dos céus provém do impulso mecânico que o Primeiro Motor comunica ao primeiro móvel. O Primeiro Motor, por sua vez, é movido pela atração que sobre ele exerce o Ato Puro, que está fora do Universo, e que move com a causa final ao ser conhecido e amado pelo Primeiro Motor.
O Primeiro Motor move de modo uniforme, com movimento eterno. Daqui resulta o movimento circular contínuo de rotação sobre o seu eixo, que é o mais perfeito e não tem contrário. Assim movem-se as esferas, sem mudar de lugar e sem alterar-se e sem se corromper ( De caelo II 1,283 a ss ). No De caelo o supremo céu é divino ( I 9,278 a ) e a habitação dos deuses ( I 3,270 a ). Fora do céu não há nada. O movimento circular é contínuo, mas não de lugar a lugar, diferentemente do movimento retilíneo dos elementos, que cessa quando chegam aos seus lugares naturais.
A transformação do movimento verifica-se à partir da segunda esfera mais imediata à Terra, a qual se move conformo à inclinação do Zodíaco. O Sol, ao se aproximar e afastar alternativa e periodicamente da Terra, produz perturbações atmosféricas e as alterações dos elementos, de onde resultam as gerações e corrupções do mundo terrestre ( Met. XII 6,1072 a 9; Phys. VIII 10,2b765; Phys. VIII 6, 260 a 2 ). Deste modo Aristóteles explica a constância, e, ao mesmo tempo, a diversidade de movimentos, que postulam, em último termo, a existência de um primeiro móvel e de um Primeiro Motor.
O único interesse atual desta concepção aristotélica é que reflete a sua idéia da gradação e hierarquia das substâncias em ordem ascendente de perfeição. Este segundo plano de substâncias físicas, com a sua gradação de motores e móveis, conduz-nos, finalmente, até o
terceiro plano, que é o da substância eterna divina, imóvel e perfeitíssima, Ato Puro, carente de matéria e de potencialidade.
NB./ Por isto o sistema celeste de Aristóteles é imprescindível para se compreender a sua filosofia. E ainda que elaborado a priori conforme às idéias astronômicas de seu tempo, a sua beleza harmônica e a aparente solução que oferecia aos problemas derivados do movimento bastavam para assegurar-lhe longos séculos de duração, até que, não sem dificuldades, foi suplantado pela Astronomia moderna do século XVI.


Teologia

1 - A substância divina transcendente:

O conceito teológico da Física e da Astrologia, ascendendo através de uma hierarquia ordenada de potências e de atos, conduzem Aristóteles, finalmente, à afirmação da existência de uma substância suprema, Ato Puro, transcendente ao Universo, que constitui a coroação antológica de todo o seu sistema. É uma conclusão dos conceitos básicos do aristotelismo, da substância ( ), da potência ( ) e do ato ( ). Aristóteles, ainda que alguma vez fale de suprema, não emprega a palavra “forma” para referir-se a Deus. A palavra “forma” tem nele um sentido preferentemente físico. Tampouco gosta de usar para Deus, mas sim .
Aristóteles não coloca o problema de Deus desde o ponto de vista da experiência do ser do mundo físico, mas desde o do movimento. Falta a idéia de criação. Deus e o mundo coexistem, distintos e independentes, desde toda a eternidade. Portanto, não lhe preocupa buscar o primeiro princípio do ser, que considera eterno, mas o princípio do movimento dos seres. Por isto as suas provas da existência de Deus têm um caráter essencialmente mecânico, à diferença de Santo Tomás, quem as transformará, dando-lhes um sentido plenamente ontológico, procurando Deus, não só como causa do movimento, mas também do mesmo ser, pois o ser contingente reclama uma causa necessária. As provas de Aristóteles procedem pelo movimento, procurando uma causa, que é Deus. Mas são provas válidas, que o conduzem à afirmação da existência de um Ser supremo, transcendente, causa primeira e eterna do movimento das substâncias celestes e terrestres. ( Aristóteles não tem nenhuma obra especial sobre Teologia, ciência suprema e cume de todo o seu sistema. Há fragmentos em Sobre a Filosofia e Sobre a oração, no livro De caelo, no livro VIII de Física, no XII da Metafísica, que propriamente constitui a Teologia aristotélica).

2. Provas da existência de Deus:-

a) Pela ordem do mundo. (...) os primeiros que olharam o céu e contemplaram o sol [teoricamente, filosoficamente, com a razão] percorrendo seu curso desde a aurora até o ocaso, e as danças ordenadas dos astros, procuraram um artífice desta formosa ordenação, não pensando que pudesse formar-se ao acaso, mas sim por obra de uma natureza superior e incorruptível, que era Deus.” (Walzer, fr. 12; Rose, fr. 11; Bekker, 1475ss. . Platão, Leis 966 d.)

b) Pelos graus de perfeição dos seres:-
Onde há gradação de mais e de menos perfeito tem que haver um ser que seja perfeitíssimo, e este pode se chamar Deus.
c) Pelo movimento:-

c.1) Na Física:- “Tudo o que se move é movido por outro.” (Física VIII, 4) O primeiro motor atua sobre o primeiro móvel ( ), cujo movimento é também eterno. Assim a série subordinada de motores e de móveis físico, termina finalmente em um primeiro móvel e um primeiro motor imóvel ( ), ambos eternos. (Phys. VIII 6, 259b32.)
Na Física, o primeiro motor aparece, não fora do mundo, mas dentro, na periferia, permanecendo imanente ao Universo e formando parte dele. Aristóteles, contudo, não dá a esse primeiro motor, na Física, o qualificativo de Deus.
c.2) O ato puro da “Metafísica”:-

Na Metafísica, Aristóteles segue um processo semelhante. Partindo da realidade do movimento eterno, propõe-se a demonstrar que existe uma substância separada, imóvel, eterna e incorruptível.
Distingue três classes de substâncias: duas de ordem física, das quais as primeira são terrestres, móveis e corruptíveis, e as segundas celestes, móveis, mas não são corruptíveis. Por cima destas, superior a todas e fora delas, existe outra substância eterna, imóvel e incorruptível (Met. XII 1, 1069 a 30ss.)
O mais não sai do menos. “O ser não procede do caos nem da noite.” O ato é anterior à potência, o ser à privação e o motor ao móvel. Dado que nas coisas existe uma ordem cíclica e movimento de geração e de corrupção, tem que existir necessariamente uma substância primeira, imaterial, ato puro, sem mistura de potencialidade, que é a causa do movimento e que age de um modo contínuo e uniforme. Se não houvesse uma substância sempiterna, todas as outras substâncias seriam corruptíveis e, portanto, não existiriam. Deve, pois, existir um princípio sempre em ato, que é ao mesmo tempo causa do movimento e da variedade e uniformidade dos seres (Met. XII 6, 1071b 22)
“Há, pois, algo que se move sempre com movimento contínuo, que é o movimento circular...; portanto, o primeiro céu deve ser eterno. Há, por suposto, algo também que o move. E, posto que aquilo que o move e movia é intermédio, há algo que move sem ser movido, que é eterna substância e ato.” “E isto é Deus.” (Met. XII 7, 1072a20-25.) “Deste princípio dependem o céu e a natureza.” (Met. XII 7, 1072b13.)
Em seguida, em um parágrafo belíssimo, Aristóteles precisa os atributos desta primeira substância, que é eterna, posto que causa um movimento eterno, imóvel, separada do sensível, imaterial, indivisível, carente de partes, impassível, imutável, inalterável, incorruptível, dotada de poder infinito, fechada a todo o exterior, a qual possui em sumo grau, e com uma plenitude inimaginável, a beleza, a inteligência e a felicidade (Met. XII 7, 1072b 14ss.) “Deus é, sem dúvida, feliz e bem aventurado, mas não por nenhum dos bens exteriores, mas por si mesmo e por ter certa natureza.” (Pol. VII (IV) 1323b22-24; 1325b25ss.)
Há, pois, uma demonstração da existência de Deus partindo, como na Física, do fato do movimento, mas que transcende a ordem das substâncias terrestres e celestes, chegando à afirmação de uma substância primeira e suprema, transcendente, cúspide da pirâmide graduada de potências e de atos. E ainda que no sistema aristotélico apresente-se intimamente ligada às suas concepções físicas astronômicas, não se trata de uma simples prova mecânica, mas que alcança toda a sua força probatória, constituindo o cume mais alto a que chegou o pensamento grego em suas especulações acerca da divindade.
Para melhor apreciar as diferenças entre o primeiro motor imóvel da Física e o Ato puro da Metafísica, são colocados abaixo num paralelo:

Primeiro Motor da “Física”

1) É imanente ao Universo. Acha-se na periferia, unido como forma ao primeiro móvel, que é o primeiro céu.
2) Move diretamente, de um modo mecânico, de contacto físico e impulso imediato, por presença afetiva como a alma move o corpo.
3) O movimento do Universo parte do primeiro motor, o qual comunica-o ao primeiro móvel.
4) O primeiro motor conhece o primeiro móvel e o mundo.

Ato Puro da “Metafísica”

1) É transcendente ao Universo. Está além do primeiro céu, fora do tempo, do lugar e do vazio.
2) Move como causa final, como amado, por atração e amor, diretamente o primeiro motor, e mediante este os outros móveis (XII 7, 1072 a 25).
3) O movimento surge do Universo mesmo, em virtude da atração que exerce o Ato puro sobre o primeiro motor.
4) O Ato puro não conhece nem o primeiro motor, nem o mundo. A sua vida é o seu pensamento.

Estas diferenças não constituem dificuldade se forem consideradas como duas etapas de um mesmo processo demonstrativo. Em ambos os casos, trata-se de buscar a causa do movimento. Mas na Física, Aristóteles se detém ao chegar a uma causa mecânica, imediata, imanente, ao Universo, que é o primeiro motor móvel. Ao passo que, abordando depois na Metafísica a questão em seu aspecto teológico, prolonga a demonstração até chegar a uma substância transcendente, que é a causa universal de todo o movimento. Assim, pois, entre ambos procedimentos não haveria oposição, mas continuação e complemento.

5. A causalidade de Deus sobre o mundo.

Deus é, pois, uma substância distinta e separada do mundo, vivente com a forma mais alta da vida, que é o pensamento puro. Não é infinito, mas “limitado” ( ), porque para os gregos, até os neoplatônicos (Séc. III a.C.), a “infinitude”( ) eqüivalia a imperfeição. Sendo perfeitíssimo, e carecendo em absoluto de potencialidade, não pode ter nenhum objeto de conhecimento fora de si mesmo, pois isto implicaria imperfeição. A sua vida e o seu pensamento fecham-se dentro de si mesmo, em uma auto-contemplação, pensando nada mais que em sua própria substância. (Met. XII 7, 1074b33) O homem, os astros vivos inteligentes e, sobretudo, o primeiro motor podem conhecer e amar a Deus. Mas Deus não pode conhecer o mundo, porque o seu entendimento não pode estar em potência em relação a nenhum objeto fora de si mesmo.
Também não é criador do mundo - Aristóteles afirma que o primeiro ser é causa de todo ser, como a primeira verdade é a causa de toda verdade. Mas não utiliza essa idéia da causalidade criadora para superar o seu dualismo da eternidade do mundo e de Deus (Met. II 1,1074b33).
O Ato puro exerce a sua causalidade sobre o mundo, não como causa eficiente, mas como causa final, por tração e amor, semelhante ao Bem de Platão. “Move como amado”, ( ) com uma espécie de causalidade psicológica (Met. XII 7, 1072b23). Deus não conhece o mundo, mas é conhecido pela inteligência do primeiro motor do céu, o qual ao conhecê-lo o ama, sentindo-se atraído a Deus. Isto dá origem ao movimento circular, no qual o primeiro motor move-se dentro de sua própria esfera, da qual, não pode sair, causando ao mesmo tempo os movimentos das esferas inferiores, através das quais vai-se transmitindo o movimento até chegar ao Zodíaco, cuja inclinação é a causa da diversidade dos movimentos do mundo sublunar, que dão origem à gerações e corrupções. Neste sentido indireto e mediato é que Deus é a causa do movimento d e todas as coisas. Mas como o Ato puro não conhece o mundo, por essa mesma razão ficam excluídos a sua providência de governo sobre o Universo.

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