Fiquei, um bom tempo, só na vontade de ler
Lolita. Terminada a leitura, só tenho a agradecer a
Ana Ferreira ( que escreve crônicas aqui no blog
além de manter um outro muito bacana ) por me
dar um empurrãozinho a mais que valeu – afirmo
com toda certeza – muito a pena.
Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu
metro e quarenta e sete de altura e calçando uma
única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans
desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores
sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços
sempre foi Lolita.
- Página 11
A sinopse não é das mais agradáveis. Lolita é um
livro com uma proposta polêmica e que nem
todos vão aceitar – não muitos, na verdade.
Vladimir Nabokov descreve a história de um amor
obsessivo de um professor europeu, Humbert,
por uma menina de 12 anos, Lolita. Mas, como
descobrimos pelos olhos pervertidos e nem
sempre lúcidos de Humbert, não qualquer
menina. Lolita é um ninfeta, uma criança entre
onze ou doze a quatorze anos que seduz homens
mais velhos com artifícios de uma mulher madura.
E, como a própria palavra indica ( que vem de
ninfa ), a ninfeta é de uma natureza diabólica. Ela
brinca com suas “vítimas”, como vemos ela fazer
com Humbert ao decorrer do livro, e sente mais
facilmente prazer do que amor.
O que me leva à loucura é a natureza dupla
desta ninfeta – talvez de todas as ninfetas; essa
mistura, em minha Lolita, de uma infantilidade
terna e sonhadora com uma espécie de
estranha vulgaridade, derivada dos rostinhos
atrevidos que aparecem nos anúncios e nas fotos
de revista, das rosadas imagens de criadinhas
adolescentes na Inglaterra [...] – Página 46
Em primeiro lugar, não vejo como seria possível
não ressaltar a escrita de Nabokov. Sua descrição –
tanto de gestos quanto de pessoas ou paisagens –
é bastante detalhada e desenvolvida com muito
cuidado, ainda com um grande toque de lirismo.
Algumas partes do livro são bem fortes e
impactantes, mas a maneira como Nabokov as
narra dá um diferente toque à cena. O texto do
escritor russo é algo, realmente, admirável.
O livro é dividido em duas partes. Na primeira,
temos uma noção geral da vida de Humbert na
Europa e as circunstâncias que o fazem seguir
viagem para os Estados Unidos, onde tenta
arrumar emprego e algum conforto. Passado
algum tempo, ele se encontra hóspede da casa
dos Haze, que está lhe servindo de pensão, onde
conhece a adorável e geniosa Dolores. Humbert se
apaixona pela menina e, longe dos olhos da mãe,
os dois começam a trocar carícias e escondem
uma muda e proibida relação. Um dos melhores
pedaços, na minha opinião, dessa primeira parte,
é quando Lolita ( Dolores – Dolly – Lô – Lola –
Lolita ) vai para um acampamento para meninas
e Charlotte, morando sozinha com Humbert,
confessa seus sentimentos pelo hóspede. O
professor aceita casar-se com Charlotte, pois
pretende, com essa união, ficar mais próximo de
sua amada. Mas, enquanto a menina se diverte,
de férias, Humbert deve aturar sua mulher, que
nada tem a ver com ele. E essa situação toda
rende ótimas partes.
Na segunda parte, as coisas mudam totalmente de
figura. A mãe de Lolita morre num acidente de
carro e Humbert assume, oportunamente, a
posição de guardião da menina. Os dois caem na
estrada, viajando por todo país e, de cidade em
cidade, Humbert vai conhecendo cada vez mais de
sua amada, que se mostra ainda mais geniosa e
imprevisível. Mesmo que ele a ame com todas
suas forças e ela seja mais que uma menina
comum, Dolores ainda é uma criança com todos
as chatices e tédios da idade. E ele continua um
homem de quase quarenta anos que não
concorda ou se irrita com seu comportamento.
Essa parte do livro também revela sobre como ele
é louco por ela e, por sua vez, a ninfeta é
indiferente quanto a ele. Um grande pedaço dessa
passagem do livro eles passam na estrada,
viajando de cidade em cidade, descrevendo
muitas paisagens enquanto poucas coisas
acontecem. Por conta disso, achei um dos
pedaços mais parados do livro, sendo o início
dessa parte o momento que menos me agradou
no romance inteiro.
Essa segunda parte do livro dá um salto quando
Lolita e Humbert se instalam numa cidade
universitária onde a menina passa a frequentar
uma escola. O ciúme de Humbert começa a
crescer – e tenderá a piorar mais ainda –
enquanto moram por lá, pois a ninfeta faz
amizade com várias meninas e meninos, dos
quais ele desconfia toda hora. Esse sentimento de
desconfiança vai se desenvolvendo ao decorrer do
livro até se tornar doentio de modo que até cega o
professor do que realmente se passa ao seu
redor.
A interação entre os dois personagens nada
moralistas é um ponto fortíssimo no livro que
muito desperta o interesse das pessoas pela
história – ou até afasta. O romance do escritor
russo se destaca por sua peculiaridade e audácia
de falar de um assunto que é um verdadeiro tabu
– por isso muitas vezes evitado pelas pessoas.
Mas é preciso enxergar o livro de outra forma.
Humbert, apesar de um pedófilo pervertido, ama
Lolita e não procura somente prazer na menina.
Por sua vez, Dolores é maléfica e, por mais que
nem sempre esteja bem quando com seu
“guardião”, o tem em sua mão e se aproveita
dessa situação para fazê-lo sofrer. Algo que inverte
totalmente uma situação “normal”, na qual a
criança seria a vítima total e absoluta.
[...] enquanto Lolita fazia despreocupadamente
seu trabalho de casa, [...] eu abandonava todo o
meu recato pedagógico, punha de lado todas as
nossas brigas, esquecia meu orgulho masculino –
e, de joelhos, literalmente me arrastava até onde
você estava sentada, minha Lolita! Você me
lançaria um olhar – [...] que era um autêntico
ponto de interrogação: “Ah, não! Outra vez?
( incredulidade, exasperação ); porque você
jamais se dignou a acreditar, minha querida, que
eu pudesse [...] tão-somente querer enfiar a cara
nas dobras da tua saia escocesa! [...] E eu
levantaria do chão enquanto você me seguiria
com os olhos, teu rosto tão deliberadamente
contorcido para imitar meu tic nerveux. Mas
não faz mal, não faz mal, não passo de um
monstro, não faz mal, trataremos de seguir com
minha torpe história. – Página 195
A parte final ( as últimas 50 páginas ) é muito boa.
Nabokov dá um desfecho espetacular à história e
faz Humbert refletir – de verdade, sem ciúmes
tapando sua visão – sobre situação com um todo.
Não espere arrependimentos ou algo do gênero –
bem longe disso -, mas sim a confissão de um
louco que, ainda menos lúcido enquanto vítima de
uma avassaladora paixão, apesar de obsessivo,
está puramente apaixonado – e logo por quem
nunca deveria estar.
Mas quem desejaria perturbar uma menina tão
radiosa? Por acaso já mencionei que seu braço
nu trazia a marca em oito da vacina? Que eu a
amava perdidamente? Que ela só tinha quatorze
anos?
- Página 237
Eu te amei. Era um monstruoso pentápode, mas
como te amava. Era desprezível, brutal, torpe –
tudo isso e muito mais, mais je t’aimais, je
t’aimai ! E houve momentos em que sabia como
você se sentia, e era um inferno sabê-lo, minha
menina querida. Minha pequena Lolita, minha
corajosa Dolly Schiller!
- Página 288
Recomendo esse livro para quem, após descobrir
sobre o que fala a história, sentiu vontade de ler
ou ao menos se impressionou pelo modo como o
autor narra o tema. Recomendo-o, ainda, para
quem se impressionou com a polêmica temática,
pois, sim, esse é um livro fantástico,
impressionante, que vale muito a pena ler. Se não
gostar do que ele conta, com certeza vai tirar seu
chapéu para como Nabokov escreve. Não é pra
menos que Lolita é considerado um clássico.
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