O STF (Supremo Tribunal Federal)
rejeitou, em sessão nesta quarta-
feira (5), em Brasília, a redução
das penas aplicadas a 16 dos 25
réus condenados no julgamento do
mensalão. A questão foi levantada
pelas defesas dos publicitários
Marcos Valério, Cristiano Paz e
Ramon Hollerbach e do ex-vice-
presidente do Banco Rural Vinicius
Samarane e acolhida pelo ministro
Marco Aurélio Mello.
Os advogados dos condenados
pediram que a Corte aplicasse o
princípio da continuidade delitiva
para os réus condenados por mais
de um crime. Com isso, os
condenados teriam a pena
significativamente reduzida, já que
o entendimento seria de que eles
cometeram apenas um crime
continuado, e não vários delitos.
A continuidade delitiva ou crime
continuado ocorre quando uma
pessoa, por meio de uma ação,
pratica dois ou mais crimes
relacionados, sendo que um é a
continuação do outro. Nesse caso,
aplica-se a pena de um dos
crimes, se forem iguais, ou a do
mais grave, com aumento de um
sexto a dois terços da pena.
PENAS DO MENSALÃO
Dos nove ministros da Corte que
ainda estão atuando no
julgamento, sete votaram contra a
redução --o relator, Joaquim
Barbosa, Rosa Weber, Luiz Fux,
Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Gilmar
Mendes e Celso de Mello. Apenas
Marco Aurélio Mello e Ricardo
Lewandowski, revisor do processo,
defenderam a aplicação da
continuidade delitiva.
Voto do relator
Barbosa abriu a sessão e votou
contra a aplicação da continuidade
delitiva para todos os réus. Para o
magistrado, não houve crime
continuado, e sim concurso
material, no caso de réus
condenados por mais de um
crime.
O concurso material ocorre
quando uma pessoa é condenada
a mais de um crime --pode ser o
mesmo ou não--, o que gera mais
de um resultado. Nesse caso, as
penas aplicadas são somadas,
desde que os crimes tenham sido
praticados em ações autônomas
(concurso material) ou se,
praticados em única ação, tiverem
desígnios autônomos (concurso
formal impróprio).
"Os crimes de corrupção ativa que
os réus Marcos Valério, Cristiano
Paz e Ramon Hollerbach
[praticaram] não podem ser
considerados uma unidade
continuada. Não é possível
considerar que a corrupção do
diretor de marketing do Banco do
Brasil para renovar o contrato seja
uma mera continuação da
corrupção da Câmara dos
Deputados”, exemplificou Barbosa
sobre a impossibilidade de aceitar
a continuidade delitiva no
processo.
Para Barbosa, “cada crime teve
seu contexto e execução próprios”.
“Nem mesmo a localização
geográfica dos delitos é a mesma
e não houve coincidência
temporal entre as condutas. São,
portanto, crimes distintos, sem
que se possa encontrar o nexo
entre eles”, reiterou o ministro-
relator.
Marco Aurélio abre divergência
Em seguida, Marco Aurélio fez
uma longa sustentação
defendendo a aplicação da
continuidade delitiva para 15 dos
25 réus condenados, abrindo a
divergência. “Quando o agente
praticar dois ou mais crimes da
mesma espécie e nas mesmas
condições de tempo, lugar e
outras semelhanças, estes devem
ser considerados como
continuação do primeiro", disse
Marco Aurélio, citando o Código
Penal.
"Os crimes foram praticados de
forma sequencial no período de
2003 a 2005, mostrando-se a
maneira de execução a mesma",
observou. "O crime continuado é
uma ficção jurídica para mitigar os
efeitos exagerados da aplicação
das penas dos crimes
concorrentes, quando não há
limitação para a acumulação
material”, sustentou.
Ao adotar a continuidade delitiva,
Marco Aurélio propôs as seguintes
penas para os condenados:
Marcos Valério , 10 anos e 10
meses (regime fechado); Ramon
Hollerbach, 8 anos e 1 mês
(fechado); Cristiano Paz, 8 anos e
1 mês (fechado); Rogério
Tolentino, 8 anos (regime
semiaberto); Simone Vasconcelos,
5 anos (fechado); Kátia Rabello, 8
anos e 11 meses (fechado); José
Roberto Salgado, 8 anos e 11
meses (fechado); Henrique
Pizzolato, 5 anos e 10 meses
(semiaberto); Romeu Queiroz, 4
anos e 2 meses e 12 dias
(semiaberto); Valdemar Costa
Neto, 5 anos e 4 meses
(semiaberto); Pedro Henry , 4
anos e 8 meses (semiaberto);
Bispo Rodrigues , 3 anos 9 meses
e 15 dias (regime aberto); Pedro
Correa, 6 anos e 11 meses
(semiaberto); João Paulo Cunha , 3
anos 10 meses e 20 dias (aberto);
e Roberto Jefferson , 4 anos 6
meses e 13 dias (semiaberto).
O magistrado sugeriu ainda a
redução de pena imposta
a Vinícius Samarane para 5 anos
e 9 meses (semiaberto).
Entretanto, como Aurélio absolveu
Samarane, a redução foi apenas
sugerida, e não votada pelo
ministro.
Revisor defende redução
Ao defender a aplicação da
continuidade delitiva,
Lewandowski respondeu ao
relator, que afirmou que a Corte
abriria precedentes ao considerar
a ocorrência de crime continuado
para réus condenados por delitos
diferentes: "Nós não estamos aqui
abrindo precedentes. Não há
nenhum perigo que o que
decidamos aqui tenha repercussão
nas futuras decisões dos juízes de
primeiro grau”, afirmou
Lewandowski. “Não tenho esta
preocupação, porque o caso aqui é
especialíssimo", completou.
"Estamos diante de um julgamento
sem precedentes, no qual foram
quebrados vários paradigmas, seja
no que diz respeito ao número de
réus, [...] ao procedimento
adotado, à caracterização de
certos crimes", disse. "Nós
estamos julgando uma situação
extraordinária", afirmou o revisor.
Em seguida, elogiou o voto de
Marco Aurélio. "O ministro
apontou novos rumos para a
jurisprudência e, de certa
maneira, invocou a distorção que
se verifica nas penas aplicadas
relativamente a réus que estão
em idêntica situação ou em
situação semelhante."
Lewandowski sustentou que “o
alegado chefe do esquema [se
referindo a José Dirceu] tenha
recebido uma pena corporal (pena
de prisão) quatro vezes menor
que a atribuída a um dos seus
executores [Marcos Valério, por
exemplo]”. “Me parece uma
desproporção que nós temos de
alguma forma de corrigir”, afirmou
Ministros seguem relator
O ministro Luiz Fux afirmou que
as penas aplicadas aos réus foram
razoáveis. "Eu volto a repetir que
as penas que foram fixadas à luz
da razoabilidade e a pena final só
é mais expressiva aos réus que
cometeram muitos delitos",
destacou o ministro Luiz Fux
Gilmar Mendes disse que a "a
figura do crime continuado traduz
exceção à regra do concurso
material" e que os crimes
cometidos pelos envolvidos no
mensalão são heterodoxo, o que
justifica a discussão da sessão de
hoje.
“É a corrupção com recibo, de tão
organizada e de tão seguros que
estavam os praticantes [dos
crimes] de que não haveria
punição. O que é heterodoxo? É a
prática”, resumiu o magistrado.
Já o decano Celso de Mello
afirmou que "a resposta penal do
Estado, neste caso, mostrou-se
proporcional, mostrou-se
adequada, mostrou-se razoável e
plenamente compatível com a
extrema ofensividade revelada
pela conduta criminosa dos réus
aqui condenados."
O advogado criminalista Frederico
Figueiredo, que acompanha a
sessão do STF na redação do UOL
em São Paulo, o entendimento de
Marco Aurélio não tem
precedentes na Corte.
"Pelo voto do ministro Marco
Aurélio, todos os réus devem ser
beneficiados pela aplicação do
crime continuado com relação a
todos os crimes para os quais haja
condenação. O ministro Joaquim
Barbosa questionou, ao final, esse
entendimento, pois isso levaria a
considerar que crimes tão
diferentes como peculato, gestão
fraudulenta, formação de
quadrilha e lavagem de dinheiro
seriam considerados como um só
crime, cometido em continuidade.
É um posicionamento bastante
extravagante do instituto do crime
continuado e não tenho
lembrança de nenhum outro caso
em que esse entendimento tenha
sido aplicado", afirmou.
Advogado de Valério tem pena
corrigida
No início da sessão, Barbosa pediu
para que a ministra Rosa Weber
dissesse novamente sua pena para
o crime de lavagem de dinheiro
cometido por Rogério Tolentino.
Esta pena foi definida em
separado, no final de novembro,
após o advogado do réu ter
corrigido o relator de que
Tolentino fora condenado por um
crime de lavagem e não 46, como
computava Barbosa.
Com isto, o voto que prevaleceu
foi o da ministra Weber.
Entretanto, o relator havia
anotado a pena de 3 anos e 8
meses, mas a ministra definiu a
pena em 3 anos e 2 meses.
*Colaboraram Guilherme Balza e
Fabiana Nanô, em São Paulo
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