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sexta-feira, 23 de março de 2012

Documentário de Raul Seixas tropeça no mito e perde o foco


Certa vez, Raul Seixas disse que seu sonho era chegar em Hollywood. Se não conseguiu realizá-lo, ao menos virou estrela de seu próprio filme, com a estreia do documentário "Raul: o Início, o Fim e o Meio". Dirigido por Walter Carvalho ("Cazuza – O Tempo Não Para"), o longa-metragem faz uso de uma intensa pesquisa para tentar entender quem foi o homem que, por meio de sua carreira musical, tornou-se mito.

Um documentário sobre o roqueiro baiano era inevitável, já que Raul Seixas continua sendo idolatrado, no sentido literal da palavra, mesmo duas décadas após sua morte. No país, ele é um dos artistas póstumos que mais vende discos, e sua legião de fãs mantém-se fiel, gerando um culto similar ao de Elvis nos EUA – guardadas as proporções – , com pessoas vestidas no dia a dia de forma semelhante ao músico.

Para desvendar o mito, Carvalho foi fundo na investigação, levantou 400 horas de imagens e entrevistou quase uma centena de pessoas, entre familiares, amigos, parceiros e admiradores. E cobriu desde a infância e adolescência do músico, apaixonado por Elvis Presley e por toda a cultura americana, até sua morte prematura, em decorrência de uma vida de excessos.

O diretor cavou histórias bastante interessantes e possivelmente desconhecidas do grande público, como o fato de que Raul, apesar de roqueiro, era careta e a droga mais pesada que havia usado era… o cigarro – até conhecer Paulo Coelho. E que o jovem Raulzito precisou fingir desistir do rock e seguir uma vida "normal" para ludibriar o pai da namorada, um pastor bastante conservador, até conseguir a permissão de se casar com Edith – um amor interrompido que o atormentaria por anos.

Com esses detalhes pessoais e ricos, Carvalho consegue encontrar a figura humana por trás do ídolo, principalmente quando recolhe depoimentos de suas conquistas amorosas. É curioso observar o carinho que as mulheres guardam pelo músico, revelando um homem apaixonante e atencioso, em vez de um conquistador barato, que podia ter todas as fãs que quisesse.

É possível encontrar ótimas sacadas feitas pelo cineasta e por seu montador Pablo Ribeiro, com a sobreposição de imagens, de sons e de músicas. Há até algumas piadas, como o uso dos galos de briga para referir-se à "rivalidade" sobre quem foi o grande parceiro musical de Raul: Cláudio Roberto ou Paulo Coelho. Aliás, quem é cético com relação ao poder místico de Coelho pode ficar com suas crenças abaladas, pois o escritor oferece um dos momentos mais mágicos do documentário, envolvendo um "incidente" com uma mosca. O bruxo também arranca risos ao tirar sarro da antiga seita de magia negra da qual fazia parte, e desce do pedestal ao revelar as músicas de Raul que gostaria de ter escrito.

Mas "Raul", o filme, assim como seu personagem, também tem defeitos. Com mais de duas horas de duração, o documentário ficou excessivamente longo – uma impressão potencializada na parte final. A decadência e morte do músico ganharam um tom pesado e que resvala no pieguismo – Carvalho leva a empregada a revisitar o apartamento onde encontrou o músico falecido.

O diretor, na verdade, priorizou diversas cenas com esse caráter mais subjetivo do que objetivo, como a dança de Elvis Presley feita por um amigo de infância de Raul. A proposta pode ter sido a tentativa de contextualizar o espírito, mas a repetição da estratégia põe em risco a sua eficácia quando vemos, por exemplo, o ator Daniel de Oliveira ("A Festa da Menina Morta") revelando que seu filho se chama Raul, ou quando o jornalista Pedro Bial canta uma das músicas do ídolo. Por quê?

Carvalho realizou uma pesquisa tão imensa que acabou dando espaço até para o dentista do músico fazer um (desnecessário) comentário, mas optou por deixar de fora do filme histórias que mereciam ao menos uma citação. Por exemplo, o mítico caso da prisão em Caieiras em 1982, quando foi preso sob a acusação de ser sósia de si mesmo, de tão embriagado.

Mas, no fim, "Raul: o Início, o Fim e o Meio" merece ser visto e vai agradar aos fãs, aos fanáticos e àqueles que sempre gritam "Toca Rauuuul" aos músicos de bar.

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