Sites parceiros

domingo, 28 de outubro de 2012

Livro sobre a mãe de Barack Obama é lançado no Brasil

Um menino negro de 9
anos, americano, desvia-se das
pedras atiradas por crianças
asiáticas. A cena incomoda os
adultos, mas a mãe faz um gesto de
displicente despreocupação e diz que
ele está acostumado. O
americaninho era ninguém menos
que o hoje presidente dos Estados
Unidos, Barack Obama, na época em
que vivia com a mãe, Stanley Ann
Dunhan, na Indonésia, um país em
que as pessoas valorizam o branco
da pele e desrespeitam os negros. A
mãe estava longe de ser uma
megera, mas certamente não
entrava nos moldes da classe média
dos anos 1960. Stanley Ann, que
morreu em 1995, foi antropóloga,
com trabalho de campo na ilha de
Java, pioneira na defesa do
microcrédito para reduzir a pobreza,
mãe solteira de dois filhos
multirraciais - um deles com o pai
negro de Obama, numa época em
que casamento entre brancos e
negros era crime em 12 estados
americanos. Janny Scott, repórter do
"New York Times", ficou intrigada
com esta mãe, que nos discursos do
então candidato Obama só aparecia
como uma "americana branca do
Kansas". A reportagem que publicou
teve enorme repercussão: quatro
anos e 200 entrevistas depois, virou
o livro "Uma mulher singular", que a
Record acaba de lançar no Brasil. O
último depoimento para a pesquisa
foi de Barack Obama, já então
ocupando a Casa Branca. Nesta
entrevista ao GLOBO, a autora
"psicanalisa" o atual candidato
democrata à reeleição.
A cena dos meninos jogando pedra
em Obama é chocante. De alguma
maneira Ann se sentia
desconfortável com o filho negro?
A filosofia de Ann é que raça não
tem a menor importância. Ela foi
capaz de se casar com um negro do
Quênia e um indonésio, ser mãe
solteira de dois filhos multirraciais,
interessar-se sempre por pessoas de
culturas diferentes: isso criou nela
uma atitude de que cor não tem
importância. Moreno, negro, ela não
via nenhuma diferença e também
não levava em conta como os
americanos são conscientes das
diferenças de raça. Ela quis criar o
filho com esse sentimento, não o via
como particularmente negro. Talvez
porque tenha escolhido fazer
política, Obama gravitou na
comunidade afro-americana, não
quis apagar as fronteiras étnicas
como ela queria.
Ela ficou irritada quando ele decidiu
se assumir como negro...
Uma das pessoas que trabalharam
com ela contou que Ann teve um
sentimento de perda quando ele
passou a se identificar tão
fortemente como afro-americano. É
compreensível entender como ela se
sentia. O Havaí, onde ela e seus pais
moraram muito tempo, é um lugar
multicultural. Como sempre
trabalhou com pessoas de diferentes
raças e culturas, imaginava que,
para ele, raça teria uma importância
reduzida. Poderia ser uma coisa que
modificaria detalhes da sua vida,
mas não determina o seu modo de
vida.
Como Obama fala da mãe?
Depois de passar dois anos e meio
tentando entender a mãe dele, tive
20 minutos com o presidente. Fiz
oito perguntas. Foi impressionante:
ele deixou claros os sentimentos
contraditórios que tinha em relação
a ela. Não tentou exagerar a relação
com a mãe, me deixou entender que
era complicado, que foi doloroso,
quando era pequeno, viver mudando
de casa e país. Contou que tinha
tomado a decisão de não viver como
sua mãe e de criar seus filhos de
uma maneira completamente
diferente. E atribui a ela sua decisão
de entrar na vida pública.
Depois de saber tudo sobre a mãe
dele, a senhora resiste a
"psicanalisar" o presidente quando o
vê em ação?
São misteriosas as influências
deixadas pelos pais em nós. Fica
claro que os valores dela moldaram
a vida de Obama. A noção de que a
coisa mais importante na sua vida é
criar oportunidades para pessoas
necessitadas. Também foi ela que
deu a ele uma perspectiva global:
nenhum outro presidente teve a
experiência de ter 6 anos de idade e
ser transplantado para Java, morar
lá por quatro anos, viajar por aquela
parte do globo, voltar para a
faculdade nos Estados Unidos, morar
com um paquistanês em Nova York,
viajar de férias para o Paquistão.
Também dá para ver a influência
dela em coisas que ele escolhe não
fazer. A sua decisão de fincar raízes
em Chicago, de achar um lugar e se
estabelecer, casar-se com uma
mulher cuja família sempre viveu
em Chicago. Michelle só se mudou na
época da faculdade. E mais: a
maneira que escolheu para criar os
filhos, de ficarem todos juntos em
um único lugar, nada de mudar o
tempo todo, cada um morando
numa parte do mundo. Estas
decisões mostram uma rejeição ao
estilo de vida que a mãe escolheu e
ele não quer repetir.
Ele se sente confortável em falar
dessa mãe tão pouco convencional?
Ele amava a mãe e a achava
interessante, mas não é muito fácil
para um político, especialmente ele,
que é alvo constante da extrema
direita, que o odeia por várias
razões, a raça entre elas. A história
desta mãe totalmente não
convencional, globetrotter,
antropóloga, com cabelo
desgrenhado, vestida com roupas de
batik e joias de prata é demais para
os eleitores americanos. Acho que
ele tem muitas perguntas sobre a
maneira como foi criado.
No livro, ele aparece como produto
das ausências e presenças da mãe.
Você concorda?
Concordo completamente. Produto
da sua presença acho que é a
maneira como ela inculcou nele os
seus valores, a maneira como ela o
obrigou a conhecer o mundo, a
disciplina, a ambição que tinha para
ele. Quando Obama era criança, a
mãe dizia que ele poderia ser tudo,
inclusive o primeiro presidente
negro dos EUA. E as constantes
ausências dela deram a ele um jeito
contido e autossuficiente, na linha
"não preciso de muita gente em
torno". As pessoas reclamam muito
dele por causa disso, os doadores de
campanha, os políticos. Por que ele
não faz amigos no Congresso ou
entre líderes estrangeiros? Por que
não convida as pessoas de
Washington para jantar na Casa
Branca? Porque ele não precisa de
gente. Bill Clinton precisa de gente,
de um constante fluxo de gente, não
Obama. Isso me impressiona muito e
tem a ver com o jeito como ele foi
criado. Penso que ele teve de
negociar seu próprio espaço nesses
ambientes estranhos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário