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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Subúrbio do Rio ressurge nas telas, poético e além dos clichês

Esquecido num canto da
história do cinema carioca, o
subúrbio ensaia um retorno ao
centro da paisagem da produção
independente local. Explorada pela
geração cinemanovista e relegada a
segundo plano a partir dos anos
1980, com o agravamento da crise
econômica e a consequente
decadência de seus bairros, a região,
seu folclore e seus personagens
voltam, pouco a pouco, a incitar a
imaginação de realizadores de
várias gerações.
- O subúrbio está em ebulição - avisa
Felipe Bragança, 32 anos, que
finaliza "Claun" (corruptela de
clown, palhaço), longa-metragem
inspirado no universo dos bate-bolas,
tradicionais figuras do carnaval das
zonas Norte e Oeste, filmado entre
Marechal Hermes e Oswaldo Cruz. -
Acho que passamos muito tempo
pensando no subúrbio como o fim
da cidade, onde ela acaba, quando,
na verdade, é no subúrbio que ela
começa.
Viabilizada com recursos próprios,
"Claun" é uma produção de
baixíssimo orçamento concebida
como um piloto de uma possível
série para a TV e para a internet. É
um desdobramento do curta-
metragem "O nome dele (o clóvis)",
ambientado no mesmo universo
geográfico e temático, dirigido por
Bragança ainda em 2004, época em
que o subgênero favela-movie
reinava absoluto nas telas como
representante da realidade da
periferia carioca.
Enquanto "Cidade de Deus" (2002) e
"Tropa de elite" (2008) enchiam os
olhos dos brasileiros e do mundo
com a violência urbana do Rio,
jovens diretores, alguns deles
nascidos e criados no subúrbio,
esquadrinhavam a área em curtas-
metragens cheios de otimismo e
poesia, como "A distração de
Ivan" (2009), de Cavi Borges e
Gustavo Melo, sobre um menino de
11 anos de Brás de Pina que
amadurece no cotidiano de
brincadeiras com os amigos de rua.
- A galera que nasceu na periferia e
que começou a fazer cinema agora
se cansou de histórias sobre
violência. Eles querem falar de
outras coisas, mostrar outros pontos
de vista da periferia carioca - explica
Borges, que está tirando do papel
"Periferia", longa composto por cinco
histórias sobre o subúrbio, dirigidas
por diretores nativos. - Eles fazem
parte de uma geração que está
amadurecendo, querendo fazer
filmes mais poéticos, menos
violentos, com mais ficção e menos
documentário.
Melo é um dos jovens integrantes
desse discreto movimento que está
resgatando, no cinema, o lado
suburbano do carioca. Em maio
passado, ele levou para o Cinèma du
Monde, espaço para novos projetos
do Festival de Cannes, a ideia de
"1994", um drama de época situado
entre Brás de Pina - cenário também
de "A distração de Ivan" - e a Penha,
que tem como pano de fundo as
lutas entre as torcidas organizadas
de times de futebol.
O filme dá voz a vários personagens
e recupera fatos e costumes
desenvolvidos na década em que o
cinema quase desapareceu e,
quando foi retomado, preferiu
promover revisões históricas ou
olhar para a Zona Sul. Um dos
personagens trabalha com a
colocação de insufilm em carros;
outro é chefe de uma torcida
organizada; todos tomam contato
com um novo tipo de serviço
gastronômico conhecido como
comida a quilo. No noticiário, fala-se
sobre o Plano Real e as mortes de
Kurt Cobain e Ayrton Senna.
- É um filme coral, em que seus
personagens trafegam por esse
espaço delimitado, à direita, pela
linha de trem da Central do Brasil, e,
à esquerda, pela Avenida Brasil -
resume Melo, de 35 anos, 20 deles
vividos na Zona Norte. - O subúrbio
tem uma riqueza humana e estética
enorme, e o que a gente está
tentando fazer é despi-lo dos clichês
atribuídos à região, como a linha do
trem e a violência. A história de
"1994" fala dos sonhos e aspirações
de jovens daquela época, e de como
eles tentam realizá-los.
Gustavo Melo diz que "1994" explora
o que existe de bom e de ruim na
geografia humana do subúrbio
carioca, "independentemente das
divisões de áreas e de classes".
Lembra que sua geração começou a
pensar a região como protagonista
da vida da cidade antes do fenômeno
socioeconômico da classe C, ou de
sua ascensão como protagonista da
telenovela brasileira, que teve em
"Avenida Brasil" seu melhor
exemplo.
- A diferença é que, na TV, o
subúrbio tem sido interpretado de
forma rasteira, estereotipada,
quando não idealizada. Nesse
sentido, o cinema sempre esteve na
vanguarda - observa o diretor Luiz
Fernando Carvalho, que oferece sua
visão sobre o tema na série
"Subúrbia", a partir do dia 1º na
Globo. - É uma reaproximação mais
realista e poética com a região, tem
a ver com o cinema de Leon
Hirszman, as primeira novelas de
Janete Clair e o universo que ela
tematizou bem até a década de 1980.
O veterano Cacá Diegues entende
que a renovação do interesse do
cinema pelo subúrbio passa pela
recuperação da autoconfiança da
população:
- Os anos 1980 e 90 foram de
autoflagelação, em que os filmes
exploraram a violência urbana e
criaram uma mitologia em torno
dela. Agora reaparecem os valores
fundamentais da classe média, do
pessoal da periferia - argumenta o
diretor, que morou alguns meses em
Marechal Hermes quando filmou
"Chuvas de verão" (1976). - O
subúrbio era mais ameno, menos
apressado. Isso não existe mais, ele
está na mesma energia e velocidade
do mundo.
A região caiu no gosto do povo e,
aparentemente, só os editais de
fomento do cinema ainda não viram
isso. Desde 2008, a diretora Carolina
Paiva tenta levantar recursos para
fazer "Subúrbio", drama recheado de
hip-hop, samba, skate, evangélicos e
folia de reis, mas sempre esbarra nos
critérios subjetivos dos processos
seletivos.
- Já me candidatei três vezes aos
recursos do Fundo Setorial do
Audiovisual mas, invariavelmente, a
resposta é a mesma: "Seu projeto é
muito bom, mas não é comercial" -
reclama a diretora de 37 anos, que
pretende filmar na Abolição e na Ilha
do Governador. - É inacreditável que
o governo queira ignorar a demanda
dessa parcela da população que quer
se ver representada no cinema.

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